Alceu Garcia - Se eu fosse americano seguiria a paleodireita dos Estados Unidos, a "old right", cujos alicerces são o livre mercado, livre comércio, padrão-ouro, equilíbrio fiscal, baixa tributação, ampla autonomia dos governos locais e, em política externa, neutralidade e isolacionismo. E, claro, tendo como horizonte o anarco-liberalismo de Murray Rothbard. Mas eu não sou americano, e mesmo entre eles restam poucos adeptos dessa nobre corrente doutrinária. Um desses gatos-pingados é o deputado federal do Texas Ron Paul, um político absolutamente honrado e fiel aos seus princípios, coisa raríssima no meio.
Paul não cessa de denunciar publicamente a inconstitucionalidade e, sobretudo, a imoralidade do imposto de renda, da previdência pública, do padrão-papel, do inchaço do governo federal à custa dos governos locais e da política externa imperial americana. Ele costuma citar os founding fathers, que recomendavam evitar alianças e compromissos duvidosos, preservando boas relações com quem quer que não manifestasse intenções agressivas contra o país.
Infelizmente, contudo, essa corrente tradicional tem pouca influência nos rumos dos Estados Unidos, atualmente oscilando entre o imperialismo globalista dos democratas, socialistas que desejam pôr a força americana sob o comando da ONU, reduto desses mesmos socialistas, e o imperialismo unilateralista dos neoconservadores, representados pelo governo Bush. As intermináveis tensões decorrentes das guerras mundiais e da ameaça soviética, bem como o intervencionismo estatal na economia minaram o caráter nacional americano, gerando uma sociedade afeita à guerras suspeitas e ao paternalismo oficial, resultando no que os libertários chamam de welfare-warfare state, o estado guerreiro por um lado e provedor de "justiça social" por outro.
Nesse contexto, a alternativa neoconservadora é a menos ruim. Daí a violenta campanha anti-bush conduzida mundialmente pela intelectuária socialista. Não é que esse pessoal seja contrário ao imperialismo; eles reclamam porque, segundo seus interesses, o imperialismo neoconservador é o imperialismo errado. Não espanta a veneração que devotam a Bill Clinton, homem da ONU. Os socialistas anseiam por moldar o mundo à sua imagem, e para tanto é necessário não só quebrar a resistência americana, arraigada no liberalismo e conservadorismo tradicionais naquele país, como alistar o poderio dos EUA no campo socialista.
E nós, brasileiros, onde entramos nisso? Pois é aí que mora o perigo. Para começo de conversa, é bom frisar que a hegemonia global neoconservadora dos americanos não nos ameaça de modo nenhum. Os Estados Unidos não têm interesses estratégicos sérios na América do Sul. O tão falado projeto de internacionalização da Amazônia nada tem a ver com ambições econômicas, nem faz parte das intenções dos conservadores de Bush, como acreditam certos setores nacionalistas,. Essa idéia é acalentada pelos globalismo socialista, sobretudo em sua versão ambientalista, e a finalidade não é a exploração das riquezas naturais reais ou imaginárias da Amazônia, e sim precisamente o contrário.
O que os socialistas querem é NÂO explorar economicamente de forma nenhuma a região, transformando-a num vasto parque ecológico reservado estritamente aos índios, plantas e animais. A questão do narcotráfico colombiano tampouco oculta planos malignos ianques. O fato é que eles mesmos criaram o problema ao impor a proibição mundial das drogas, uma medida inviável, e agora estão às voltas com seus desdobramentos negativos. Se pudessem, os americanos erradicariam a produção de coca e depois deixariam a região.
Outro contencioso falso relaciona-se com a Base de Alcântara, suposta evidência dos desígnios sinistros do inimigo de anexar bocados do território nacional. Isso é tolice. Eles querem alugar a base porque é um local favorável para lançar foguetes, nada mais. Note-se que os Estados Unidos já tiveram grandes bases militares no Nordeste, na época da 2ª Guerra. Findo o conflito, retiraram-se com mala e cuia. A realidade é que os americanos não só não são uma ameaça à soberania nacional, como por sua mera existência e atuação eles garantiram por via oblíqua essa soberania.
Ou alguém duvida de que o Brasil seria hoje uma colônia nazista ou comunista se não fossem os Estados Unidos? As eternas denúncias de espoliação econômica, por outro lado, alimentadas pela inveja do sucesso alheio, só enganam aqueles que desconhecem economia (incluídos, por definição, os "economistas" marxistas e keynesianos). Eles não são ricos porque nós somos pobres. Nós somos pobres porque nos deixamos espoliar pela nomenklatura nativa aboletada nos privilégios estatais e seus sócios. Em suma: a preponderância mundial do neoconservadorismo estadunidense não afeta o Brasil. Não há motivo para conflitos.
Não há motivos, exceto um: justamente por terem barrado os planos megalomaníacos de nazistas e comunistas no passado, e por ainda resistirem ao socialismo globalista contemporâneo, os Estados Unidos são odiados visceralmente pelos intelectuais socialistas do mundo todo, inclusive, é claro, pelos exemplares tupiniquins dessa praga. A provável eleição de Lula, pois, representa um perigo gravíssimo e iminente para o povo brasileiro, que pode se tornar o instrumento insuspeito dessa intelectuária invejosa e gananciosa.
Uma administração petista dificilmente resistiria à tentação de culpar os americanos por seus inevitáveis fracassos domésticos, mobilizando a opinião pública, amaciada por legiões de propagandistas instalados na imprensa, escolas e universidades, para a "luta anti-imperialista". Nada mais conveniente para um regime socialista do que um bode expiatório externo, vez que a indefectível miséria provocada por suas políticas insensatas ganha uma explicação plausível, e ainda serve de pretexto para o controle totalitário da sociedade. Desde os tempos da Revoluçã Francesa é assim. E não faltará apoio externo para o PT, sobretudo da influente esquerda festiva francesa, sempre ávida de glorificar bajular déspotas anti-americanos.
De outro ângulo, um governo brasileiro hostil também pode se revelar conveniente para o governo Bush, alerta para qualquer ameaça real ou imaginária que legitime sua atual fase belicista. Um país grande como o Brasil representaria um perigo verossímil para os Estados Unidos, embora falso. A economia brasileira já não é grande coisa, e, submetida às costumeiras depredações socialistas do PT, murcharia rapidamente. Um embargo comercial nos arruinaria em questão de semanas. Nossa parca fatia de menos de 1% do comércio internacional seria prontamente suprida por outros mercados, restando aos brasileiros viver num miserável inferno socialista diante de da hostilidade indiferente do resto do mundo.
O pior é que o sonho (rectius: pesadelo!) petista de reunir Índia, Rússia, China e África do Sul numa grande aliança contra os Estados Unidos daria com os burros n'água rapidinho. Nenhum desses países teria a ganhar com isso. Ah, mas não faltariam efusivas manifestações de solidariedade de palestinos, iraquianos, norte-coreanos e cubanos. Apoteóticos congressos do Foro de São Paulo, com direito a discurso de 12 horas de Fidel Castro, distrairiam o povo. E, com sorte, bombardeiros invisíveis ianques despejariam bombas inteligentes aqui e ali, justificando a heróica batalha dos operários e camponeses brasileiros contra a infame agressão neoliberal.
Tudo isso pode parecer delírio, e talvez seja. Mas os venezuelanos estão a ponto de cair nesse abismo. Quem poderia imaginar a presente situação da Venezuela cinco anos atrás? Os alemães, ali pelo próspero e pacífico ano de 1928, dificilmente acreditariam nos desastres que o futuro próximo lhes reservara. Estamos nos equilibrando no fio da navalha.