Lula, o Filho do Polvo
"Séculos transcorrerão e as futuras gerações de comunistas nos considerarão os mais felizes dos mortais que já habitaram este planeta em todas as eras, porque nós vimos Stalin, o líder genial, Stalin o Sábio, o sorridente, o gentil, o supremamente simples. Quando estive próximo de Stalin vibrei com sua força, seu magnetismo e sua grandeza. Eu queria cantar, gritar, uivar de felicidade e exaltação." Avdyenko, escritor soviético, circa 1938.
Alceu Garcia - A TV Globo superou todas as expectativas e provavelmente bateu o recorde mundial de bajulação política estabelecido na URSS, nos anos 30. Mais uma vez o mundo se curva diante do Brasil. E pela enésima vez a Globo se dobra ante o potentado da hora. O histórico e histérico servilismo global para com o PT atingiu grau máximo no "Jornal Nacional" de segunda-feira, quando o candidato petista, o Abraham Lincoln brasileiro, recebeu em pessoa, e sem nenhum constrangimento, doses cavalares de puxa-saquismo explícito.
Superou largamente aquele quadro do Faustão em que celebridades são exaltadas por amigos e familiares até se debulharem em lágrimas. O resto da imprensa não ficou muito atrás. Vale notar que, embora a adulação a Stalin exemplificada no trecho acima pareça mais rastejante, a verdade é que os soviéticos bajulavam o ditador georgiano em legítima defesa da vida, e nem assim garantiam imunidade ao Gulag. Já os nossos puxa-sacos exercem seu degradante mister livremente, sem necessidade do "incentivo" de uma polícia política impiedosa e vigilante. Pelo menos por enquanto.
A pantomina global já tinha atingido os píncaros no debate entre os candidatos na véspera da votação. Um vero picadeiro foi armado, com "cidadãos" amestrados prontos a venerar a cidadania e a democracia, para que Lula e Serra representassem seus papéis de falsos messias. Os palhaços do circo, claro, éramos todos nós, induzidos a acreditar que o Estado, causa imediata de todos os nossos males, pode redimir o país solucionando todos os problemas num passe de mágica. No ringue onde se enfrentavam os veteranos esquerdistas a inteligência e o bom senso eram brutalmente surrados.
O meu governo vai acabar com o narcotráfico, o meu vai liquidar as desigualdades sociais regionais e blábláblá. Ora, politizar tudo é reduzir todos os problemas de uma sociedade ao tacão da polícia. Se isso fosse bom, os países comunistas, onde até a produção de sabonetes e papel higiênico era da órbita política, seriam paraísos terrestres. Mas não eram. Não havia sabonetes e papel higiênicos nas lojas. Não havia nada. Enfim, mundus vult decipi. O mundo quer ser enganado. O que se vai fazer?
O júbilo triunfante dos intelectuais com a consagração de um "filho do povo", como Lula foi qualificado por um eminente cacique da tribo, bem que merecia um minucioso estudo sociológico, não fossem todos os sociólogos pajés da taba petista (exceto a heróica dissidente Maria Lucia Victor Barbosa). Eles insistem na patranha de que o Carlos Magno tupiniquim é um produto das "forças populares" em ação.
Será que de tanto apregoar essa ficção a casta letrada acabou acreditando na própria mentira? Não há nada de "popular" em Lula e no PT, não no sentido marxistóide que eles mesmos atribuem a esse adjetivo. Tanto o candidato quanto o partido são filhos mimados de uma poderosa e obstinada elite: a nata letrada militante.
É curioso que essa gente não tenha se identificado com Fernando Henrique, que é, sempre foi e sempre será, um antigo e ilustre sócio do clube. Talvez essa rejeição seja fruto do ciúme, ou, mais provavelmente, de uma psicose ideológica. Os intelectuais, malgrado já estivessem no poder de fato e de direito com FHC, necessitavam da imagem de um "proletário" no cargo máximo para satisfazer suas taras doutrinárias. Somente com essa satisfação no campo simbólico eles se sentem efetivamente legitimados: um filho do povo no poder!
De qualquer modo, Fernando Henrique suportou estoicamente a ira invejosa dos colegas e, sem nenhum ressentimento, fez tudo o que pôde para facilitar a ascensão do Machado de Assis da política nacional, implodindo a aliança que o sustentou, dinamitando as candidaturas alternativas viáveis (Itamar, Roseana, Ciro – não que fossem grande coisa) e enfiando um candidato impopular e insosso pela goela de seu próprio partido.
O meu amigo Pedro Paulo Rocha já tinha cantado a pedra há muito tempo: o candidato de FH era o Mandela brasileiro; Serra foi escolhido a dedo como escada para a estrela maior do espetáculo.
A farsa do "filho do povo", contudo, é evidente para as – raras – cabeças pensantes que se disponham a examinar a coisa mais de perto. Faz muito, muito tempo que Lula deixou o campo dos oprimidos, os pagadores de impostos, para ingressar no rol seleto dos opressores, os consumidores de impostos.
O amado líder petista celebrou um pacto com o diabo quando virou sindicalista, o que equivale a aceitar todas as regalias corporativas outorgadas por uma legislação imoral que Getúlio Vargas copiou ipsis litteris do modelo concebido por Benito Mussolini, mantida por militares e civis desde então. Chefe de sindicato recebe sem trabalhar e não pode ser demitido. As decantadas greves de metalúrgicos "contra a ditadura militar" nunca foram outra coisa senão coação e violência de assalariados sindicalizados, protegidos pelo manto estatal, em face de outros assalariados desprivilegiados.
A greve em si não é uma conduta injusta, pois condizente com o direito de propriedade dos empregados sobre sua própria força de trabalho. Deixa de ser legítima, entretanto, quando descamba em violação do direito de propriedade dos empregadores sobre suas instalações e ferramentas, frequentemente ocupadas e depredadas, do direito daqueles que não querem participar do movimento (a detestada figura do "fura-greve") e do direito de outros assalariados de aceitarem trabalhar nas condições recusadas pelos grevistas.
Lula ganhou ainda mais destaque na classe parasitária quando se deixou fazer de griffe proletária do PT, partido autodenominado dos "trabalhadores", que, porém, sempre representou os interesses dos intelectuais. Em troca, foi promovido de carreirista sindical a político profissional, muito bem pago para não fazer nada de produtivo.
Hoje, rico e gordo, poderoso e paparicado, está realizado. Mas não é um "filho do povo" que se prepara para pagar com milhares de sinecuras à intelectuária que o conduziu ao poder; Lula é filho dileto do polvo estatal, que, com seus tentáculos viscosos, distribui privilégios vergonhosos à nomenklatura e aloca sacrifícios inomináveis ao resto.
Os basbaques de costume proclamaram como manifestação de grande sabedoria a advertência do presidente eleito ao "mercado": respeitarei os contratos, mas os brasileiros precisam comer três vezes ao dia. Fica até chato lembrar pela milionésima vez que é graças ao tal mercado que existe comida para tanta gente. Onde o mercado é proscrito é que falta alimento e milhões já morreram por isso, lá nos países comunistas. E esse pessoal, oriundo das mais variadas seitas comunistas, ousa imputar ao "mercado", implícita ou explicitamente, a fome. Que caras-de-pau.
Frédéric Bastiat escreveu certa vez sobre o milagre que se renovava diariamente na Paris de seu tempo. Um milhão de pessoas, que não produziam alimentos, comiam todos os dias sem que fosse preciso qualquer planejamento estatal para que os comestíveis fossem produzidos, transportados, distribuídos e vendidos no comércio parisiense.
O mesmo acontece no Brasil com seus cento e setenta milhões de habitantes, malgrado o Estado faça tudo a seu alcance para obstruir o funcionamento dos mercados. Não há nenhuma necessidade do orwelliano Ministério da Fome, ou coisa parecida, proposto pelos petistas. Basta que, por exemplo, sejam podados os privilégios nababescos dos aposentados e pensionistas do setor público, cujos benefícios superam tanto o custeio que, para cobrir o rombo, o Estado subtrai anualmente dos contribuintes quase cinquenta bilhões de reais.
Ou seja, tem gente comendo demais à custa de quem está comendo de menos. Mas, que incrível coincidência, esses comilões são justamente os mais aguerridos e fiéis petistas. Dá para acreditar que esses lambazes vão acabar com a fome instituindo a trilionésima repartição burocrática do país?
Diz o PT que criará dez milhões de empregos. Ora, não haveria desemprego e subemprego em tão trágicas magnitudes se o Estado não despejasse toneladas de obrigações fiscais e "sociais" em quem se anima a contratar mão-de-obra. Mas ai de quem ousar sequer sugerir a revogação parcial dos "direitos dos trabalhadores".
O PT lança imediatamente sobre o herético seus pit-bulls retóricos encastelados nos sindicatos, na imprensa e nas universidades. Moral da história: é justamente quem afirma demagogicamente que tirará milhões de empregos de uma cartola mágica um dos principais culpados pela existência de desocupados involuntários. Seria kafkiano se não fosse orwelliano.
O fato é que agora é Lula. E agora, Lula? É cedo para previsões razoáveis, mas eu particularmente não creio que o companheiro presidente tenha o estofo de um Robespierre, Lênin, ou Hitler. Falta-lhe aquela vontade de poder férrea, a fé incoercível numa abstração demoníaca, que levou gente como os ditadores citados a cortar tantas cabeças quanto fosse necessário para alcançar seus propósitos. Lula é essencialmente um oportunista que agarrou a chance oferecida pela intelectuária de subir na vida sem fazer força.
Por isso mesmo é possível que ele tenda a agrupar à sua volta pessoas de inclinações similares. O verdadeiro perigo está nos homens de batina. Estes, sim, são capazes de derramar rios de sangue. Os padres da CNBB, que controlam a milícia do MST, representam o mais feroz comunismo que se pode imaginar. A Igreja brasileira convertida ao marxismo é absolutamente intransigente e não é impossível que empreenda uma guerra civil por conta própria, à revelia do próprio PT. O rumo do futuro governo está, pois, nas mãos dos mentores do Lula, velhos e experientes militantes como José Dirceu e José Genoíno. O que não é nada animador.
De sorte que, a meu ver, desenham-se cinco cenários alternativos para os próximos anos. No cenário Tony Blair-Felipe Gonzalez, o mais improvável de todos, o PT abre mão, na maior parte, do socialismo econômico clássico, contentando-se com o socialismo comportamental da moda, conhecido como "politicamente correto". Em segundo lugar, a opção Miterrand, marcada por medidas socialistas iniciais na economia depois abandonadas face ao seu evidente e clamoroso insucesso, o que leva o partido a romper com sua ala radical.
Outra alternativa seria a Allende-Chávez, com o governo confrontando abertamente e procurando destruir gradualmente toda oposição para afinal instituir um regime totalitário. A opção Thecoslováquia-1948, cujo traço fundamental seria a firme hegemonia petista sobre todas as instituições relevantes, sobretudo as Forças Armadas, como condição para um rápido e indolor golpe de estado, tampouco pode ser descartada. O último cenário pode ser denominado Espanha-1936, caracterizado pela ação violenta descontrolada das alas radicais do partido suscitando resistência armada e culminando em guerra civil. Eu aposto em uma mescla do primeiro, segundo e terceiro cenários. Logo saberemos que bicho dará.